


EU SOU APAIXONADA POR CRÔNICAS. E COMO NOSSO BRASIL, MESMO NO MUNDO TODO A RIQUEZA EM TEXTOS É MARAVILHOSA. ESCOLHI ALGUNS ESCRITORES QUE VÃO SER A COMISÃO DE FRENTE DESTE BLOG: MARTHA MEDEITOS, ARNALDO JABOR, PAULO ROBERTO GAEFKE, MARIO QUINTANA, LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO, PEDRO BIAL E MUITOS OUTROS..
Henriquinho
Morreu meu amigo Henrique, o Henriquinho, um luxemburguês grandalhão, com quase dois metros de altura, gordo, ruivo e feio. Um homem extremamente bom, inteligente, culto, irônico. Ria e fazia piadas com suas doenças, com suas tragédias. Caçoava do médico, este seu amigo que agora escreve algumas recordações de uma convivência curta, algumas lembranças de fatos e conversas que mantivemos no consultório ou no hospital.
A primeira vez que vi Henriquinho, logo que cheguei a Monlevade (João Monlevade, cidade do interior de Minas Gerais N.E.), levei um susto: ele estava assentado numa cadeira de vime, no hall de entrada do Hotel Cassino e gemia de dor, a minha espera. Estava sofrendo uma cólica renal e garantia, na sua voz rouca e enrolada de gringo, que aquela dor que ele estava sofrendo devia ser muito pior que a dor que mulher sente na hora do parto.
- Mas eu prefiro essa cólica de rins que sofrer uma dor de parto, senhor doutor, disse ele, com um sorriso, tentando disfarçar a dor. Aliás, monsieur Henri foi um mestre em disfarçar dores e sofrimentos, com coragem e espírito estóico. Nesses dez ou 12 anos que convivi com ele, sempre percebi tristeza e amargura por trás dos seus olhos miúdos e espetados naquela cara vermelha e grande. Senti pena dele em diversas ocasiões. Senti pena no dia em que sua esposa, Dª. Rúmia, faleceu em acidente brutal, atropelada. Senti pena ao ver Henriquinho chorar. Grossas lágrimas escorriam em seu rosto, mas ele permanecia em silêncio, quieto, sem fazer barulho, sem gritar, sem fungar. Como dói ver uma pessoa chorar em silêncio. E o Henriquinho, no hospital, onde velava o corpo de sua esposa, chorava em silêncio.
Tempos depois, senti pena dele ao vê-lo com um pé quebrado, engessado. Aquele homem enorme, gordo, com o pé engessado. Recuperação lenta, difícil e dolorosa. Após a retirada do gesso, cuidados de fisioterapia, massagens, calor. Nessas suas idas e vindas ao hospital, costuma cruzar com ele no corredor com um bon jour, monsieur, respondido por um bon jour, docteur e lá seguia o bom homem, capengando, equilibrando o peso do corpo às custas dos braços bem abertos.
Nossa amizade tornou-se maior quando ele começou a freqüentar o meu consultório com mais assiduidade, a partir do dia em que chegou, usando seu tradicional slack de brim amarelo, assentou-se na cadeira e disse: Senhor doutor, quero tratar meu diabetes com o senhor.
Para mim, aquilo foi motivo de susto e surpresa.
- Uai, mas eu nem sabia que você era diabético.
Realmente era para assustar a qualquer um, pois o Henriquinho não era do tipo de doente que faz dietas e segue regimes próprios para quem sofre de diabetes. Gostava de sua cerveja, presunto, leite com mel, queijo gordo. Não consegui saber se comia doces escondidos, mas acredito que sim. Nessa fase inicial do tratamento, procurei avaliar como andava sua doença e perguntei se ele sentia muita sede, se bebia muita água. Ele riu.
- Água, senhor doutor? Mas eu não bebo água nunca. Eu bebo é cerveja. E deu uma gargalhada, naquele seu estilo, devagar, pois era calmo para tudo. Ria alto e devagar. Depois ficou sério e disse: Ah, doutor. Agora me lembro: de vez em quando eu tomo água. Quando coloco gelo no uísque. E riu de novo, alto e devagar.
Realmente, o Henriquinho gostava de tomar suas cervejas, mas era um homem sereno, bem-comportado. A bebida não lhe modificava a personalidade, não o embriagava. Apenas lhe dava um sono muito bom, como ele dizia.
Gostava das pessoas que não teimavam com ele, das que não tentavam forçá-lo a mudar a maneira que insistiam em continuar inchadas apesar dos diversos remédios que ele jurava estar tomando. Na última vez que o vi, notei que estava um pouco triste, na hora de sair do consultório, na despedida. Ao contrário do seu alegre e habitual au revoir, monsieur le docteur, ele parou na porta da sala, olhou para mim e disse: adieu, monsieur le docteur.
Foi essa a última vez que o vi e guardo dele essa última recordação: um homem bondoso e triste, que dissimulava a bondade atrás daquele seu ar carrancudo e escondia sua tristeza atrás da constante ironia.
Henriquinho morreu em casa, ao lado de sua querida filha, a quem ele tanto amava, a Lília. Pela manhã, tomou leite com mel. Estou com sede, por isso tomo leite, disse ele para a filha.
- Mas se o senhor está com sede, deve beber água e não leite com mel.
- Não, Lília, água com mel não é gostoso.
Morreu Henrique, meu amigo, muito mais amigo que cliente, um homem que só deixou amigos, amigos um tanto frustrados, como eu, que nunca tiveram oportunidade de convivência maior com ele. Poucas pessoas puderam conviver mais intimamente com ele, visitá-lo em casa, bater papo, conhecê-lo melhor. Contudo, a lembrança de sua pessoa será sempre estimulante e alegre. Um homem bom e sensível que ao perceber que estava morrendo pediu a sua querida Lília que colocasse uma cruz com um pano branco na porta da casa. - Mas, para quê, Henriquinho?
- Ah, Lília, você não sabe o que significa um pano branco pendurado numa cruz? Significa paz.
Autor: Dr. Stanley Baptista de Oliveira
PACIÊNCIA
Ah! Se vendessem paciência nas farmácias e supermercados... Muita gente iria gastar boa parte do salário nessa mercadoria tão rara hoje em dia.
Os filhos atrapalham, os idosos incomodam, o jeito do chefe é demais para sua cabeça, a esposa virou uma chata, o marido uma "mala sem alça".
Vi uma moça abrindo um e-mail com um texto maravilhoso e ela deletou sem sequer leu o título, dizendo que era longo demais.
Pobres de nós, meninos e meninas sem paciência, sem tempo para a vida, sem tempo para Deus. Qual é a finalidade de sua vida?
Surpreenda-se com a falta de metas, com o vago de sua resposta.
E você?
Aonde você quer chegar?
Por quem?
Seu coração vai agüentar?
A empresa que você trabalha vai acabar?
As pessoas que você ama vão parar?
Será que você conseguiu ler até aqui?
Respire... Acalme-se...
NÃO SOMOS SERES HUMANOS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL. SOMOS SERES ESPIRITUAIS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA HUMANA
Arnaldo Jabour
Verissimo e o teatro participativo
Luis Fernando Verissimo brincou de (e com) teatro na sua crônica de 6 de abril deste ano, no caderno Donna, no Jornal ZERO HORA, de Porto Alegre. Para quem não leu, Caco lembra:
Participativo
Idéia para uma peça. O cenário é a sala de visitas de um apartamento requintado. Alguns detalhes da decoração nos informam que estamos no fim dos anos 40, começo dos anos 50, por aí. Numa mesa ao lado do sofá vê-se um telefone da época. Quando abre o pano, o cenário está vazio e o telefone está tocando. E tocando, e tocando, e tocando, e tocando. Nada acontece. Ninguém aparece em cena. Passam-se quatro, cinco, seis minutos, o que for preciso para que a platéia comece a se impacientar. O telefone não pára de tocar. Finalmente, alguém se levanta na platéia e sobe no palco. É uma mulher. Ela dirige-se à platéia.
MULHER - Desculpe, gente, mas eu não posso ouvir um telefone tocando desse jeito sem atender. É um, sei lá. Uma mania minha. Uma neurose. Sei lá. Eu vou atender esse
telefone.
Um homem se manifesta na platéia.
HOMEM - Margarida, volta aqui.
Mas a Margarida já está se dirigindo para o sofá.
MARGARIDA - Eu sei, Euclides. Mas eu não consigo. Eu não agüento. Só vou... (Ela senta-se no sofá, levanta o fone e leva ao ouvido) Alô? Sim. Eu... Desculpe, viu? Mas... Não, eu não sou ninguém. Eu não sou da peça, sou da platéia. É que o telefone não parava de tocar e eu não consigo... Como? Margarida. Mas olha, eu não sou da peça, não. Eu só vim ao teatro com o meu marido e... Como? Euclides. Nós nem sabíamos que tipo de peça ia ser. O Euclides até estava com medo que fosse coisa experimental, vanguarda, essas coisas, que ele não gosta. Ele diz que sempre aparece alguém nu pra sentar no colo dele. Só gosta de comédia, quanto mais boba melhor. Eu disse vamos que é comédia. O quê? Não, atendi porque é uma mania minha. Uma neurose. Sei lá. O telefone não parava de tocar, não aparecia ninguém e eu... Desculpe se... Como? Ficar aqui?!
O pano começa a se fechar.
MARGARIDA - Espera! A cortina está fechando. Eu não quero...Euclides!!!
O pano se fecha por completo.
Depois de alguns minutos, o Euclides sobe no palco. Dirige-se à platéia.
EUCLIDES - Desculpe, pessoal. Eu preciso...(Ele vira-se para cortina
e chama, primeiro baixinho e depois mais alto:) Margarida... Margarida!
Euclides tenta espiar pela brecha da cortina. Subitamente, é puxado violentamente para trás da cortina e desaparece. Minutos depois, abre o pano outra vez. Euclides está sentado no sofá, com uma cara assustada.
Margarida está espanando os objetos da sala, vestida de empregada. Uma
empregada de teatro de revista, saiote curto com aventalzinho e as pernas
de fora.
EUCLIDES - Margarida...
MARGARIDA - Margarida, não, doutor. Margaret.
EUCLIDES - Margaret?
MARGARIDA (cochichando) - Não faça perguntas, Euclides.
O telefone toca. Margarida vai atender.
EUCLIDES - Não atenda!
MARGARIDA (cochichando) - É da peça, Euclides. É da peça. (Com
voz normal, atendendo o telefone:) Alô? Não, a patroa não está. Foram para Petrópolis. Ela e o marido, não. Ela e o amante. É, casal moderno.
Euclides levanta do sofá e tenta puxar Margarida pelo braço.
EUCLIDES - Margarida, vamos embora. Nosso lugar não é aqui.
MARGARIDA (ao telefone) - O cornu... Quer dizer, o doutor? Está aqui sim senhora. (Para Euclides:) Quer me largar? (Ao fone:) Não, é que quando a madame não está o doutor não sabe o que fazer com as mãos. (Para Euclides, tapando o bocal do telefone:)
Você não queria uma comédia, Euclides? Pois isto é uma comédia. Me larga!
EUCLIDES - Isto é teatro de vanguarda. Teatro participativo. Eu sei. Não demora aparece um...
Nisso, entra em cena um mordomo.
Só se sabe que é um mordomo porque usa um colete de mordomo e carrega um drinque numa bandeja, pois está nu da cintura para baixo.
MORDOMO - Seu uísque das seis,
doutor.
EUCLIDES - Eu não disse?!
Postado por Renato Mendonça
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